sexta-feira

quanto mais o amor me faz o espírito da primavera
que quer e transfigura a coisa amada na sakura branca
muito mais o meu tesão deve ser intenso & animal

meu pau duro me protege da morte:
a extrema concentração genital, o desejo de carnes,
fluidos, cheiros, gostos,
o imperativo táctil que o tesão desperta
é como uma canção de ninar em deleuze
meu pau duro é meu ritornelo
que sendo câmara, me retém,
me mantém coeso
impede que eu me derrame tão último, tão completamente
que de mim não haveria nada
que este corpo, se corpo houvesse, quedaria catatônico,
impotente
e o meu amado seria fulminado de espanto
consumido por sarça ardente
petrificar-se-ia ou seguiria tresloucado
porque veria o algo
o estranhíssimo
o deus

quarta-feira

quando senti o cheiro do meu bem
naquele instante exato em que minha face destra
sobre o sinistro pulsante lado do peito se deitava
quando a pele roçada exilou-me em cósmico silêncio
e tudo que eu via era tênue curva e mamilo róseo
e pensar pensamento algum já não pensava
quando o cheiro já me havia arrebatado
aí no extremo foi que soube como se houvera útero:
amar é devir mulher

segunda-feira

poema de amor

Para Danilo

súbito
como se borrasse mil corpos de deleites emprestados
& noites de frágeis abundantes prazeres fáceis
como se revelasse mórbido ou pouco o incontinenti gozo dos meus dias
como surgido das águas
como espuma & raio
meu amor repentino e certeiro
meu coração por inteiro entregue ao guerrilheiro unicórnio
róseo talibã amoroso
& seus pelos de minha mémória, ó Hassan,
que em terras altas a sudoeste do cáspio
tocou-me de tal maneira
& tão fundo em meu corpo lançou o seu amor
que ainda agora choro sua morte
que agora mesmo choro o reencontro
que em qualquer instante em que veja os seus olhos
os mesmos olhos de oriente montanhoso
eu me derreto e resta pouco de mim, resta nada:
resta amor & nada

sábado

agradeço a Vinícius na cidade de Santos
a solução de claro enigma

teu corpo magro & branco
o torso em anelar serpentina contração
o peito indestacável de teu tronco
& grandiosa pica em vertical ereção
sedento cu de menino
o completamente masculino
desejoso de preenchimentos
os vinte anos de vida num instante
                                   macho & fêmeo
trouxeram-me a súbita certeza
a clareza na mente repentinamente consciente:

ou me ilumino em pleno gozo hebefilista & pederasta
ou para sempre estarei preso a esse mistério

quinta-feira

recado pra Maria Octavia




é preciso pichar alegria na cara da impotência
é preciso fazer um padre maldito asfixiador de vida gozar até o delirium absoluto
é preciso fazer com que todos os fascistas derretam num ato de beleza irrefreável
é preciso dilapidar as mórbidas igrejas com a sensualidade de um deus adolescente
é preciso um devir-mulher no corpo do maldito macho scum
é preciso escrever a palavra clitóris em letras garrafais no teto da capela sistina
é preciso bailar com sapatilhas vermelhas na rampa do palácio do planalto
é preciso um sexo libérrimo, alegre & audaz, que mate tudo que já está morto

quarta-feira

o verso elegante
ainda que seja brilhante
e transbordante de doce alegria
continua sendo
a porra de um verso elegante

a jornalista da televisão

em rede nacional é conhecedora das causas das coisas

as mesmas que Spinoza não ousara perscrutar

sábado

nirmanakaya

a Allen Ginsberg

bodhisatva, sim
de mãos de lâmina
delicados pés &
mente libertária
bodhisatva, sim
da incessante atividade
da liberação, bodhisatva
sim, bailarino poeta
cantor de libertinos
bodhisatva, sim
atuando incansável
o buddha que é ele

Grande Liberação dos Corpos

domingo

     se pudesse escreveria a suprema delicadeza
     escreveria ela mesma
     e cada palavra que eu diria seria suprema delicadeza no mesmo instante em que dizia
     e quando qual se leria, seria ainda suprema delicadeza naqueloutro instante em que lia
     não haveria intermédios
     o escrito, o lido e o vivido seriam, de tão idênticos, indistinguidos
     nesse dia, direi, se fez poesia

sábado

     Lucas,
     não é que odeie todas as bichas que querem fazer édipo, realizar papai mamãe com o rabo
     não que eu queira assa-las todas em espetos infernais e grampear seus olhos e obturar seus dentes sem anestesia
     não é que pretenda afundar em uma grande tina de merda todos os viados que fazem de sua grande luta política a legalização do casamento gay
     admito, Luquinha, tudo muito legítimo...
     mas esses não são, não podem ser, não querem ser, não são

          bichas libérrimas
          meninos meninas de túrgidas picas
          cus abissais por onde corre minha mão, meu pau, minha língua e -- ah, suprema memória de ter sido possível -- minha barbuda cara inteira dentro
          corpos inventados em delírio & aflição
          maldição insuportável contra a falocracia e seus desgraçados machos scum
          plumas delicadas & afiado aço contra a rudeza do jeans, contra a cabeça de Deus
          eficaz destruição do pilar da sagrada família e as neuroses gosmentas da confraria reacionária unidos-em-série

     Lucas,
     viados edipianos são os agentes de linha de frente do aparelho de captura do normal, estatal, civilizado
     o homossexualismo como uma bestialidade anti-tradição é uma máquina de guerra nômade desterritorializante, pacto demoníaco, grande anomalia testemunha da baixeza da covardia do macho

segunda-feira

de tres poetas místicos com sexos túrgidos

me deu saudade dela, Adélia

eu a amei de um jeito louco

foi anos atrás

mais de dez ou uns quinze

amei de rolar lágrimas

-- a tristeza de ser eu --

tristeza funda de tesão e santidade

tristeza dela ser eu

de também ver meu marido limpar o peixe

e amar a coisa prateada no ar

e também fui catequista

sim, fui Adélia

eu era ela

num lugar em mim a encontrei quando li

Ó Deus, não me humilhe mais
com esta coceira no púbis.

ou

Só melhoro quando chove.

ou

Da vida quero a paixão.

ou

Ninguém me tortura, pois desmaio antes.

ou a que gosta um meu amor

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.

e a cultivei

e fui

e assim passou, sem passar

porque eu Adélia, visitada, conhecida, fui para sempre cartografada no Atlas das afecções minhas

e assim, digamos, passou

virei poeta vociferante

fui tomado pelo espírito de paixões desconhecidas

acontecimentos anais

e uma série longa de visões alucinógenas, claras como a luz do dia branco

nesse tempo tornei-me Ginsberg

e o espírito dele desceu sobre mim

e fui habitado

e meus olhos se tornaram aqueles mesmos olhos místicos & gays de Nova Iorque até Os Anjos

sim, mesmo até os anjos eu sou Allen

quinta-feira

no corpo do menino mora uma flor

não me cansei desse mistério

ainda que o tenha visitado noites sem fim

não me cansei desse mistério

não o conheço

permanece meu espanto a cara de espanto do menino alargado

não, eu não conheço esse mistério

e mesmo quando o rosto imberbe sorri com a feição antiga da ninfa do Peneu que na Grécia bebi sedento

mesmo quando vejo a mesma face            outra vez

esse sorriso-convite sacríligo & sagrado de inocência perversa

esses lábios abertos esses olhos brilhantes de felino noturno

esse mesmo antigo infinitamente visto sorriso-convite que termina num "ah" longo que é de gozo mais do que de dor e é de dor e nunca conheço como se insinua do cu à boca num instante e os olhos giram e a noite é a mesma noite eterna de esforços atléticos, delicadeza, aromas mais rubros que mucosas

e os olhos

e os gemidos

os mesmos, exatamente os mesmos infinitamente visitados

e teu prêmio branco líquido & abundante

no rosto como copa aberta a boca e lustral derrame

infinitamente visitados

e eu não conheço

o semprevisto

e eu não conheço

o semprenovo olho do gozo