segunda-feira

composição imagética: pele branca-roxa & milharal em solo seco

para que amar aos tapas o garoto
se o que é preciso
é de algum rizoma um broto
e seis sementes de milho?

(os cachos dos cabelos dos anjos são carocinhos de maiz estelar)

domingo

geraes do espírito da santa

eu
você
ele
temos esse olho esquerdo
eu
você
ele
espalhamos benefícios, lágrimas e risos
eu você ele
por mim somos nós
vocês morenos
magros
vocês com esses olhos esquerdos
vocês são música e poesia
pretos são os pelos nas peles castanhas
eu amo você
ele eu amo
eu você ele depois de amanhã
nós naquele lugar
suaves e fortes
seremos e bastaremos
3

o eterno retorno do cio

outra vez
meu nariz colado aos grandes lábios de minha perdição
outra vez me embriagando no cheiro ácido&doce
no cheiro seco e marítimo de memória de gozo&paixão
outra vez eu no teu ritmo
perseguindo feito cola em teus quartos
que eu sou mesmo a tua cauda, tu minha bunda
cu&cona meu palácio
outra vez o teu espanto, teu pavor
outra vez a tua fuga
outra vez eu te persigo

tua beleza é imperdoável
teu cheiro é imperdoável
teu ritmo é imperdoável

outra vez te arrebatar, te tomar de assalto
outra vez tu resisitir, me negar e me cuspir
outra vez me arranhar e eu suportar
sempre e mais eu suportar teu não, teu mau olhar
teus dentes de cadela à vista, o teu rosnar
mas teu cheiro
outra vez teu cheiro
teu cheiro mais e sempre
minha persistência em te cheirar
meu nariz bem no entre-espaço cu&cona
úmido olorífico sítio do entre as coxas
teu cheiro, meu deleite, minha certeza
mas outra vez tuas pernas se afastarão, pouco a pouco
e outra vez aceitarei a morte como a sorte de quem ama&goza

sábado

de uma lição de abuelita Mercedes

era areia e só
pacientemente foi defecando
juntando folhas
carregando lodo fétido quilômetros a fio
no fio seco da lâmina do olhar dos homens de nariz virado
então
como se uma rosa rubra florescesse na dura cruz
espocou o glauco
e dele o dourado, o vermelho, o negro, o branco, o roxo, o arco-íris
súbito
como se mil dias fossem um instante
o homem estirado em sua rede
mirando o que outrora era aréia e só
pensou num domingo:
para ser feliz plante maiz

domingo

fotografia da banda esquerda na cidade do Rio no último momento

tem algo de errado
tem algo de certo
tem algo no entorno
desse deserto

o longelínio menino é a sacertodiza do templo dos bosques da lua
a pequena púbere é um celeste arrogante
o pé-vermelho correndo nas matas desceu das estrelas faz duas semana

neste incerto
uma trombeta
anunciando
o anti-deserto

o filho de Oxossi tomando champanhe
o qabalista assinante da Veja
e, mais humano que todos, o monstro de Andrômeda
à rua Prestes Maia, de gravata e imperceptível sotaque,
é o bibliotecário elegante

sábado

o dharma, o riso, a cloaca, a mentira

a mulher sentada sobre a bergér azul
suas grandes tetas erguidas pelo espartilho
o camafeu dos fins do XVIII
a pele alvíssima

                       compreenda disse-me
é misteriosamente cômica a vida

e uma fumaça insuspeitavelmente roxa de suas narinas

tu brincarás! eis a única regra

e rimos e rimos e rimos estridentemente
girando vertigens em nosso entorno
transformando corpos, mutando matéria

a mulher tornada íbis com o bico limpava a cloaca demonstrando grande sabedoria

eu tornado babuíno
mentia

quinta-feira

inocência

há coisas terríveis sobre a terra
há bocarras perigosas
há curvas de espalhar tangentes
há buracos aromáticos dos quais não se pode sair
                                                     não se quer sair
                                                     não se pode sair
e há meninos de quinze anos
e há meninos de quinze com corpos de doze
e há meninos de quinze com corpos de doze pelos quais nos apaixonamos
e há o pior
o extremo além
o insuportável
há aquilo com que não podemos lidar
e reconhecemos nossa desgraça
e antevemos cárceres e maledicência
e nos perdemos
porque há meninos de quinze com corpos de doze
de pequenos pezinhos e olhos estrábicos
pelos quais nos apaixonamos

e há desses que nos correspondem

se o poeta viesse de minas

e se de mãos dadas chafurdarmo-nos nas águas estendidas da preamar?

e se eu lesse, sob um tímido sol de nem primavera, na palma da tua mão uma vida adicionada de graças?

e se nós contássemos histórias do tempo em que éramos anjos e o mundo não girava em torno de nossos paus?

(você ainda não sabe de quando eu mergulhei na pedra e rachei minha cabeça...

nunca lhe disse ao ouvido quanto tempo durou minha virgindade...

nem que fui apóstata...

nem que sou sádico...)

e se eu lambesse dentro do teu olho esquerdo sem sentir nojo?

e se eu dissesse?:

                              esse menino de pele castanha

                              esse de olhinhos pretos

                              esse poeta de coxas de fauno

                              esse é um meu amor

e se eu sorrisse quando você se espreguiçasse?

e se chapinhássemos nas águas do mar gelado do sul?

talvez se secaria a lágrima preta que ganhou o seu retrato

e ele que pintou tuas olheiras seria uma memória quente e doce como o chá de hortelã

e nós, tornados peixes, nadaríamos, silentes & amantes, no ventre da estrela da manhã

panacéia universal

para dor de amar:
o mar

segunda-feira

santas indulgenças

supõe, retirar-se-ia a misericórdia e u jamas cantasse
que cousa havria de mim dispersa se se cala mea boca?
A majestade vossa tenha piedade de mim, Rei,
que sendo u vassalo incardinado em herdades tuas,
mais valor tem de mim a majestade e u competença
recebo para honrar a glória do Rei, para maior glória de Deus
sob qual todos são mínimos e a coroa genuflexa e penitente
soma aa pobreza do povo resignado e fiel os rogos por piedade.
A majestosa coroa que ostentas, Rei, conceda licença e vênia
e a Deus pai soberano universal suplico pelas santas indulgenças

estando já licenciado
bendito das indulgenças
dou graças aa bondade
e sigo o meu canto
que sendo a minha sina
o canto do passarinho
canoro por indulgença
dos anjos querubinos
assim mesmo u aqui
assim mesmo meu cantar
quem quiser conhecer
é se prestar a ouvir
que u falo pra instruir
que as santas indulgenças
são que permitem os dons
de um cantar essa instrução
um ouvir outro latir
todos tem o seu mistério
queira vós se descobrir

aquele a descoberto
conhecedor do destino
que o divino pai eterno
reservou para seu filho
vive sempre penitente
rogando ao salvador
pelas santas indulgenças
de Maria e de Jesus
junto com o patriarca
São José de Nazaré
assim fazem os santos
por toda sua igreja
rogam ao São Salvador
pelas santas indulgenças
para todo o pecador

viva os santos dessa igreja
viva as vênias que nos dão
viva as santas indulgenças
que nos dão todos os dons
viva o anjo que nos guarda
que nos dá a instrução
viva a corte celestial
que enfeita em carrossel
a beleza infinita
dos olhinhos de Deus pai

união hipostática

profeta de bendizeres
bodhisatva da alegre doação
amoroso guardião do dharma
beato de gestos suaves
anjo da anunciação divina
humílimo cristão penitente
apóstolo da certeza da fé
um homem santo
e continua de pau duro

sexta-feira

arte

teu amor de brilhante petulante poeta de vinte anos
nas horas em que apareces
faz-nos viver outra vez a vida de dois mil e trezentos anos
atrás
passo a passo outra vez cada ato
cobras os detalhes
rígido diretor bailarino exato exigente coreógrafo da vida repetida
petulantes vinte anos de brilhante inteligência
passo a passo nos compõe tensos
tesos & gatos

teu amor que jamais é refrigério
petulante amor de guerra constantemente exercido
perpétuo atento amor em prática incessante
guru-vida aguilhão da perfeição técnica da beleza

azapeixe

quando soube escondida a sexta-feira treze
no dia trinta de julho de dois mil e dez
o mesmo dia que naquel'outro calendário
diz-se ox lahun chicchan ou treze serpente
pensei azapeixe
e por que razão o filme A Profecia se exibia à Globo?
azapeixe
pronunciei a palavra em favor da confirmação
de que hoje encerra-se um ciclo de tempo
exigindo a renovação
santos anjos da guarda rogai por nós

quinta-feira

quando fui divinizado por teus olhos

a papa
branca morna
que num instante
(a ocasião do gemido)
vigorosamente espoca
e suavemente morna
agora escorre lenta
a papa branca

(teus olhos agradecidos
e a moldura perfeita
de teus olhos agradecidos)

pelo que agradecem
teus olhos agradecidos
perfeitamente emoldurados
pelo marfim que de mim espoca?

por eu ser homem e estar em pé?
por derramar-me farto e líquido?
por colher tua santa ingenuidade?
por visitar tua luxúria incontinente?

mas, anjo meu, amigo, amante
agradeces pelo sempre teu
desde muito antes

um mira-flor em estado de graça

eu vi
a flor daquele menino
a flor daquele giro
o sorriso da beleza
a leveza do sorriso
daquele menino-flor
o girassol exposto ao sol
o giro do sorriso dele
ao sol daquele menino-flor
eu vi
o coração daquela água
ardendo em pé naquela água
em flor em um menino-água
os pelos nas coxas do Cristo
vi

domingo

no éter
durante uma flor que desabrocha
durante uma canção que encanta
durante um rito que eterniza
durante um tempo que dura

aethir
que volta
aethir retorno
aeon ilimitado
círculo aethir

no éter
supremo fluxo incorpóreo vivo
brilhante luz mais ultra violeta que...
beleza
lúmem
ser
paz celestial:
vida
saiba primeiro, criança,
que sou uma bacante:

ao nosso encontro
dilacerar-te a carne
é tão certo quanto é pouco:

num anilíngus delirante
desintegrar no agora
a história que compôs teu eu

terça-feira

Elogio ao pequeno Bruno, da cidade de Santos

                                                                                      Licença peço a Apolo Musageta,
                                                                                      que da mais bela das divinas filhas
                                                                                      de Zeus e Mnemósine nascidas
                                                                                      convoco agora a companhia.
                                                                                      Ó pequena cujos pés beijados
                                                                                      por Amor a presença faz-nos rubros
                                                                                      e com desejo tocamos nossa lira,
                                                                                      ó Érato, ajuda-me a cantar o Bruno!

elogios a Bruno
eloqüentes elogios a Bruno
cuja elasticidade anal é exuberante

elogios a ele
de alvíssima pele
e delgado corpo em que tudo se imprime

elogios se somem
ao que não tem vergonha
e tempera minhas noites com delicadeza & perversão dos costumes

eu canto tua beleza
de coxas imberbes & brancas
canto o traço de tua forte panturrilha em teu corpo muito magro

eu canto a auréola
de teu peito indestacado de teu tronco
e que aceita a crueldade dos fixados numa fase oral tardia

eu canto tua falta de ciúme
eu canto tua alegria leve & delicada
mesmo quando diz mija na minha boca, macho

um viva a teu caráter leve
que do patético ao suabilíssimo carinho
passa através dos ritos agonísticos ditados por Eros embriagado

um viva ao teu reto
que é tão limpo e sabe reter esperma
e transforma-se num lago quando a ele retorno enrijecido

um viva a teu reto & cu
que ainda que nele eu meta inteiro o braço
a elasticidade incomparável restaura-lhe os ares virginais

um viva ao teu bom gosto
um viva a tua boa suave conversa
um viva a tua predileção por contar-me estórias com meu pênis em tua mão

elogios a Bruno
que é jovem, belo, bicha & meu
eloqüentes elogios a Bruno da cidade de Santos

sábado

o que Ana Paula provoca em mim quando racha lenha usando um vestido que revela os contornos de seus quadris

à Ana

de um lado
a seda carmesim sobre o veludo azul turquesa
de um outro
um jarro de prata de 1749
mais outro
a crisálida silente imperscrutável
mais lado
uma luva, uma faca, um dente humano, uma taça
ainda outro
um menino seminu de olhar flamígero
no centro frágil −
oscilante miríade de dobras dos milespaços
contendo-se a si mesmo numa vaga do possível −
um índigo hipopótamo derrama a lágrima diamantina

Por Ulisses, navegante

por Maria

Esperei por você a tarde toda
Você não vinha
Você não chegava nunca
Eu me banhava de suor e melancolia
E você não vinha, não vinha nunca
A tarde toda, nunca

Então teci um porvir para nós dois
De cumplicidade
De olhar em silêncio
De desejo incontido
Bordei em letras cor-de-laranja-madura                            
                                                      FELICIDADE
Pensando no cheiro antigo de seus cabelos

Espero ainda
Espero mais que Penélope
Sem o desfiar noturno
Entanto
Teço um manto
Maior do que o mundo

A Gata

À Bernadete, felinófila. 
Veludo –
o ludo dela, o pulo –
sua pata apara o som
no muro.

segunda-feira

eu, gato


Par délicatesse
J´ai perdu ma vie.
A. Rimbaud



par délicatesse j´ai ne pas perdu ma vie
feliz gato
fui adicionado de graças
somadas seis à antiga, indelicada
por delicadeza, com delicadeza
essas sete espraiadas em meu corpo
são sempre as sete bem amadas:
Bernadete, Erasmo, Arthur
Rafael, Rachel, Amanda
& Pedro
sete vidas vigorosas, delicadas
suavemente roubadas

sábado

ao poeta Cláudio Daniel
de um recado deixado em seu blog


poesia que diz kilaya kilaya kilaya e não pára de repetir e multiplica-se nos poros infinitas mínimas lâminas diamantes líquidas poesia com boceta caralho sêmem deuses demonizados signos olvidados mas vivos quando pronunciados segundo as 40 & 80 regras da arte poesia de lamber os corpos de festejar os corpos de desejar ter corpo de fazer dançar nu num paganal o que pode um corpo poesia de menarcas doces de espermas primevos do subitamente descoberto fauno da montanha de cobre poesia que obriga dizer poesia poesia de fazer gritar

sexta-feira

fazer parte da verdade constituída
viver cada grão da constituição dela
estar no corpo do Grande Urubu
conhecer que não há lado de fora
(o caos, esse bicho sem pele
o cosmo, bicho alado de dentro)
não ter refúgio descansar nunca
e ali onde todos morreriam
viver feito um Krisna inventado
a descoberta de um gozo irrefreável

quinta-feira

Adonai

em um treino de pilates, outra vez obtive a visão beatífica

meu corpo respondia aos comandos do treinador ali onde eu não estava

porque eu estava contigo

tu me arrebataste num ligeiro torpor

e foste para mim uma margarida solitária na campina

então uma violenta criança dórica

finalmente um sapo com cara de flor

ó, meu amor, meu amor, como te amo

outra vez revelaste-te como um sapo com cara de flor

e meu ser tremia de desejo & alegria

criança sapo flor

e tu me consumias aos goles e urinavas a loucura dos santos através dos éons

sapo cara de flor, criança dourada

e foste mais longe ainda e me roçaste a pele com a tua

eu não existia, não era nada

ao teu toque, meu amor, eu não era nada

criança sapo flor

então revelaste o que jamais houvera visto

por um gesto caprichoso eu vi, sim, em verdade eu a vi

tu me mostraste tua língua azul

tua língua era ainda mais bela que a ereção de uma criança

tua língua azul mais que o céu de abril de minha terra

tua língua era a beleza do mundo

era o langor do sexo e o torpor de todos os vinhos

criança sapo flor de língua azul

tua língua era doce como o primeiro mênstruo de uma pequena núbia de tetinhas empertigadas

tua língua era tudo que era primeiro

tua língua era a surpresa do esperma na mão de um menino trácio que se descobre o fauno da montanha de cobre

meu amado, meu amor, meu sapo cara de flor

eu sou teu vate arrastado para teu mundo

e porque te vi, te vejo em todas as coisas

te vi na baba do cão aleijado quando se arrastava e no suor olorífico do trabalhador sob o sol a pino

te vi na lágrima da mulher louca que se fustigava na beira do mar

te vi na urina dos bêbados, nos sucos dos tolos, nos gozos raros das putas do cais do porto

e porque te vi e te vejo sempre, sou glauco & rubro

como as parreiras tuas de vinhas maduras

e porque te vi, que direi aos homens? que dirão de mim?

serei para sempre louco diante da assembléia deles

porque te vejo em tudo e em todos te vejo

estou condenado a exibir minha grande saúde

criança sapo cara de flor de língua azul

por tua graça eu sou a grande saúde

serei para sempre maldito para tudo que está morto: eu sou tua grande saúde!

terça-feira

ode ao poder dele

não era gordo
não era magro
o menino de rua era forte
não era esfaimado
o menino de rua era sujo
roubava miudezas
o menino era lindo
no meio das almas perdidas
o menino era um cometa
sem meta, sem órbita
em torno de planeta
tinha mais graça que garça
sob luz véspera vermelha
o menino de olhos em brasa:
a vital sussarana da noite

um elefante na mesa de jantar

descobri um poeta que morreu, mãe

você precisa de ver são paulo toda alagada ainda bem que seu pai veio embora

era triste, mãe

põe um descanso na mesa, a sopa está quente

ele era um elefante

fiz croissant, coração

(eram crotons ao alho, mas gostei do verso dela)

vou por vinagre doce na salada

(aceto balsâmico)

mãe, o mário era um jabuti

oswald era um gavião-de-penacho

o piva também é um gavião

tem batata-doce na sopa

o gavião ta morrendo numa enfermaria do hc

seu pai não gosta de sopa

mãe, que engraçado, o elefante se chamava leão

Greta, me mande alguma poesia

não tenho um centavo nem para um livro
estou tão puto quanto falido
mas se não me deres poesia, se não me deres poesia agora
ou morro de tédio ou me masturbo
ou amaldiçôo o teu nome
urino em teu túmulo
convoco os espíritos com meus tambores
(eu ainda tenho tambores)
enfeitiço tua alma
ou improviso uma carta-poema
tão suplicante e ridícula
que te convença a me dar
alguma poesia

segunda-feira

eu fui envenenado de morte pela embriagues do vinho das delícias da prostituição dela

não há salvação quando se está doente de consciência lírica

nas ruas de Santos enquanto todos dormiam enquanto meus pais morriam eu bebi do licor da juventude das crianças perdidas

eu vi o pequeno sujo branco acariciando amorosamente o esquálido menino negro que dormia ou jazia moribundo em seu colo no banco da praça imensa

vi seus olhos quando me viram e quase riram com malícia do meu segredo adivinhado por ele pequeno bruxo miserável entre carcaças consumidas pelo crack seu rosto transluzia mais riqueza & poder que os generais sem próstatas de Washington DC seus olhos intuitivos eram mais sábios que um exército de pós-doutores eunucos palestrando através das horas e dos séculos enquanto Lilith devorava seus filhos nati-mortos

e porque vi o poder dele porque vejo ali onde ninguém vê senão miséria

estou condenado e condenado

eu sou o anjo testemunha da agonia da grande Babilônia

a cidade é uma mulher velha líbano-brasileira gorda excessivamente pintada com o cabelo enrolado em um grande birote que aponta para o alto coberta de ouro com unhas imensas

horrenda sugadora da menarca das filhas dos homens

eu sou o profeta pederasta vampiro

tomei de Erasmo seus melhores momentos e sua pele lisa seu torso impecável e angélico desprovido de pelos e pequenino estará para sempre manchado

porque minha boca beijou suas tetas adolescentes

porque o negro de seus intestinos foi inundado por copiosas torrentes brancas

porque eu o machuquei para seu prazer

eu menti para Pedro e obtive dele um amor delicado & seu namorado numa bandeja de prata

eu sou o caminhante noturno que tinge de sangue as madrugadas

sábado

quando respiro é a ti que respiro
como quem inala ardor & ouro vivo

tu me feres a cada passo
quando ando nas calçadas descalçado
em ti piso, tu brasa, caco de vidro
meu sonhar mais aflito é teu
tu és o sonho & a baba & o suor

quando as bocas mais mundanas
desconhecidas, vagabundas
sugam-me em sófregas felações
é a tua boca, que não existe outra
que nunca existiu outra
que em toda parte só existe tua boca
e a minha dor gozosa de conhecê-la
de estar nela, de ser também tua boca
e de morrer nela agora & sempre amém
menino melancólico que desliza feito pluma em minha saudade-vontade
mesmo que pedra-mina
ainda que jóia de mil faces
até quando miro teu melhor segredo
teu sexo vivo que conheço a topázio-vinho & granada
ainda assim, menino de seda na minha pele imaginada
niño de espanha, de minas, de longe
de perto, de dentro de mim
uma letra, uma lágrima
menino de agora, descansa teus olhos que o amor é assim
pedra, vinho, jóia, lágrima
boca esfaimada, água fumada
hoje dói, amanhã também dói
e depois ninguém sabe o que virá

sexta-feira

sexta-feira, meia-noite, orla de Santos

a adolescência usa pouca roupa e muita droga

ocupa todos os bancos da praia

e diz palavras como você simplesmente ou tem que saber que é maluco

eu passo...

distingo com clareza os que querem fumo, os que querem pedra, os que querem pau

cidade de Santos, meia-noite...

respiro o ar antigo de minha mãe

Iemanjá aqui se veste de cinza, mesmo no sol a pino

sinto saudades do seu vestido azul do mar do sul

aqui a degradação é viva como é cheia de vida uma ferida que purula a guerra imunológica

encaro a cidade com meus olhos que não mais se curaram

e ela já não é a
                           mulher velha líbano-brasileira gorda excessivamente pintada com o cabelo enrolado em um grande birote que aponta para o alto coberta de ouro com unhas imensas

travestiu-se de criança prodígio

olhamo-nos, longamente...

era uma menina vívida de pequenos gestos obscenos como os das crianças precoces que fingimos não ver

tudo nela era sensual & infantil

mas descobri em seu olhar a velhice da gorda e disse-lhe

criança, quem te pintou como uma puta?

seu rosto transfigurou-se

transformou-se em um ninho de serpentes, cólera & arsênico

eu passo...

um menino paulistano com sua fala de "r" demarcado passa com sua turma

amanhã vai ter álcool e Ana... quero ver o karma, disse-me sem saber que me dizia

eu lhe escuto

estalo os dedos da maneira correta

circundo as mãos em torno dos punhos da maneira correta

inclino levemente a cabeça da maneira correta

e corretamente pronuncio em voz clara: eu aceito seus votos

está feito segundo as regras da arte... ele verá o karma

mistério, mistério, mistério

jamais saberemos quando e menos se sabe o porquê encontraremos de passagem

um buda

um anjo

um brujo

um demônio

como é mistério a motivação da testemunha de impor o seu feitiço de dar fé

eu passo...

vejo o descanso do trabalhador sobre o banco da praça entretido com o fluir de meninas de todas as classes

quando uma especialmente lhe apetece ele roça os muitos pelos que lhe cobrem subindo a mão desde a beira do púbis até o bico do peito e termina o gesto beliscando o próprio mamilo

eu abençôo o Eros que o anima

eu passo...

a noite mais espessa que a baba dos famintos passará carregando passos, putas, trabalhadores, adolescentes... e Eros dormirá preguiçosamente

sim

também a noite passará