sábado

ao poeta Cláudio Daniel
de um recado deixado em seu blog


poesia que diz kilaya kilaya kilaya e não pára de repetir e multiplica-se nos poros infinitas mínimas lâminas diamantes líquidas poesia com boceta caralho sêmem deuses demonizados signos olvidados mas vivos quando pronunciados segundo as 40 & 80 regras da arte poesia de lamber os corpos de festejar os corpos de desejar ter corpo de fazer dançar nu num paganal o que pode um corpo poesia de menarcas doces de espermas primevos do subitamente descoberto fauno da montanha de cobre poesia que obriga dizer poesia poesia de fazer gritar

sexta-feira

fazer parte da verdade constituída
viver cada grão da constituição dela
estar no corpo do Grande Urubu
conhecer que não há lado de fora
(o caos, esse bicho sem pele
o cosmo, bicho alado de dentro)
não ter refúgio descansar nunca
e ali onde todos morreriam
viver feito um Krisna inventado
a descoberta de um gozo irrefreável

quinta-feira

Adonai

em um treino de pilates, outra vez obtive a visão beatífica

meu corpo respondia aos comandos do treinador ali onde eu não estava

porque eu estava contigo

tu me arrebataste num ligeiro torpor

e foste para mim uma margarida solitária na campina

então uma violenta criança dórica

finalmente um sapo com cara de flor

ó, meu amor, meu amor, como te amo

outra vez revelaste-te como um sapo com cara de flor

e meu ser tremia de desejo & alegria

criança sapo flor

e tu me consumias aos goles e urinavas a loucura dos santos através dos éons

sapo cara de flor, criança dourada

e foste mais longe ainda e me roçaste a pele com a tua

eu não existia, não era nada

ao teu toque, meu amor, eu não era nada

criança sapo flor

então revelaste o que jamais houvera visto

por um gesto caprichoso eu vi, sim, em verdade eu a vi

tu me mostraste tua língua azul

tua língua era ainda mais bela que a ereção de uma criança

tua língua azul mais que o céu de abril de minha terra

tua língua era a beleza do mundo

era o langor do sexo e o torpor de todos os vinhos

criança sapo flor de língua azul

tua língua era doce como o primeiro mênstruo de uma pequena núbia de tetinhas empertigadas

tua língua era tudo que era primeiro

tua língua era a surpresa do esperma na mão de um menino trácio que se descobre o fauno da montanha de cobre

meu amado, meu amor, meu sapo cara de flor

eu sou teu vate arrastado para teu mundo

e porque te vi, te vejo em todas as coisas

te vi na baba do cão aleijado quando se arrastava e no suor olorífico do trabalhador sob o sol a pino

te vi na lágrima da mulher louca que se fustigava na beira do mar

te vi na urina dos bêbados, nos sucos dos tolos, nos gozos raros das putas do cais do porto

e porque te vi e te vejo sempre, sou glauco & rubro

como as parreiras tuas de vinhas maduras

e porque te vi, que direi aos homens? que dirão de mim?

serei para sempre louco diante da assembléia deles

porque te vejo em tudo e em todos te vejo

estou condenado a exibir minha grande saúde

criança sapo cara de flor de língua azul

por tua graça eu sou a grande saúde

serei para sempre maldito para tudo que está morto: eu sou tua grande saúde!

terça-feira

ode ao poder dele

não era gordo
não era magro
o menino de rua era forte
não era esfaimado
o menino de rua era sujo
roubava miudezas
o menino era lindo
no meio das almas perdidas
o menino era um cometa
sem meta, sem órbita
em torno de planeta
tinha mais graça que garça
sob luz véspera vermelha
o menino de olhos em brasa:
a vital sussarana da noite

um elefante na mesa de jantar

descobri um poeta que morreu, mãe

você precisa de ver são paulo toda alagada ainda bem que seu pai veio embora

era triste, mãe

põe um descanso na mesa, a sopa está quente

ele era um elefante

fiz croissant, coração

(eram crotons ao alho, mas gostei do verso dela)

vou por vinagre doce na salada

(aceto balsâmico)

mãe, o mário era um jabuti

oswald era um gavião-de-penacho

o piva também é um gavião

tem batata-doce na sopa

o gavião ta morrendo numa enfermaria do hc

seu pai não gosta de sopa

mãe, que engraçado, o elefante se chamava leão

Greta, me mande alguma poesia

não tenho um centavo nem para um livro
estou tão puto quanto falido
mas se não me deres poesia, se não me deres poesia agora
ou morro de tédio ou me masturbo
ou amaldiçôo o teu nome
urino em teu túmulo
convoco os espíritos com meus tambores
(eu ainda tenho tambores)
enfeitiço tua alma
ou improviso uma carta-poema
tão suplicante e ridícula
que te convença a me dar
alguma poesia

segunda-feira

eu fui envenenado de morte pela embriagues do vinho das delícias da prostituição dela

não há salvação quando se está doente de consciência lírica

nas ruas de Santos enquanto todos dormiam enquanto meus pais morriam eu bebi do licor da juventude das crianças perdidas

eu vi o pequeno sujo branco acariciando amorosamente o esquálido menino negro que dormia ou jazia moribundo em seu colo no banco da praça imensa

vi seus olhos quando me viram e quase riram com malícia do meu segredo adivinhado por ele pequeno bruxo miserável entre carcaças consumidas pelo crack seu rosto transluzia mais riqueza & poder que os generais sem próstatas de Washington DC seus olhos intuitivos eram mais sábios que um exército de pós-doutores eunucos palestrando através das horas e dos séculos enquanto Lilith devorava seus filhos nati-mortos

e porque vi o poder dele porque vejo ali onde ninguém vê senão miséria

estou condenado e condenado

eu sou o anjo testemunha da agonia da grande Babilônia

a cidade é uma mulher velha líbano-brasileira gorda excessivamente pintada com o cabelo enrolado em um grande birote que aponta para o alto coberta de ouro com unhas imensas

horrenda sugadora da menarca das filhas dos homens

eu sou o profeta pederasta vampiro

tomei de Erasmo seus melhores momentos e sua pele lisa seu torso impecável e angélico desprovido de pelos e pequenino estará para sempre manchado

porque minha boca beijou suas tetas adolescentes

porque o negro de seus intestinos foi inundado por copiosas torrentes brancas

porque eu o machuquei para seu prazer

eu menti para Pedro e obtive dele um amor delicado & seu namorado numa bandeja de prata

eu sou o caminhante noturno que tinge de sangue as madrugadas

sábado

quando respiro é a ti que respiro
como quem inala ardor & ouro vivo

tu me feres a cada passo
quando ando nas calçadas descalçado
em ti piso, tu brasa, caco de vidro
meu sonhar mais aflito é teu
tu és o sonho & a baba & o suor

quando as bocas mais mundanas
desconhecidas, vagabundas
sugam-me em sófregas felações
é a tua boca, que não existe outra
que nunca existiu outra
que em toda parte só existe tua boca
e a minha dor gozosa de conhecê-la
de estar nela, de ser também tua boca
e de morrer nela agora & sempre amém
menino melancólico que desliza feito pluma em minha saudade-vontade
mesmo que pedra-mina
ainda que jóia de mil faces
até quando miro teu melhor segredo
teu sexo vivo que conheço a topázio-vinho & granada
ainda assim, menino de seda na minha pele imaginada
niño de espanha, de minas, de longe
de perto, de dentro de mim
uma letra, uma lágrima
menino de agora, descansa teus olhos que o amor é assim
pedra, vinho, jóia, lágrima
boca esfaimada, água fumada
hoje dói, amanhã também dói
e depois ninguém sabe o que virá

sexta-feira

sexta-feira, meia-noite, orla de Santos

a adolescência usa pouca roupa e muita droga

ocupa todos os bancos da praia

e diz palavras como você simplesmente ou tem que saber que é maluco

eu passo...

distingo com clareza os que querem fumo, os que querem pedra, os que querem pau

cidade de Santos, meia-noite...

respiro o ar antigo de minha mãe

Iemanjá aqui se veste de cinza, mesmo no sol a pino

sinto saudades do seu vestido azul do mar do sul

aqui a degradação é viva como é cheia de vida uma ferida que purula a guerra imunológica

encaro a cidade com meus olhos que não mais se curaram

e ela já não é a
                           mulher velha líbano-brasileira gorda excessivamente pintada com o cabelo enrolado em um grande birote que aponta para o alto coberta de ouro com unhas imensas

travestiu-se de criança prodígio

olhamo-nos, longamente...

era uma menina vívida de pequenos gestos obscenos como os das crianças precoces que fingimos não ver

tudo nela era sensual & infantil

mas descobri em seu olhar a velhice da gorda e disse-lhe

criança, quem te pintou como uma puta?

seu rosto transfigurou-se

transformou-se em um ninho de serpentes, cólera & arsênico

eu passo...

um menino paulistano com sua fala de "r" demarcado passa com sua turma

amanhã vai ter álcool e Ana... quero ver o karma, disse-me sem saber que me dizia

eu lhe escuto

estalo os dedos da maneira correta

circundo as mãos em torno dos punhos da maneira correta

inclino levemente a cabeça da maneira correta

e corretamente pronuncio em voz clara: eu aceito seus votos

está feito segundo as regras da arte... ele verá o karma

mistério, mistério, mistério

jamais saberemos quando e menos se sabe o porquê encontraremos de passagem

um buda

um anjo

um brujo

um demônio

como é mistério a motivação da testemunha de impor o seu feitiço de dar fé

eu passo...

vejo o descanso do trabalhador sobre o banco da praça entretido com o fluir de meninas de todas as classes

quando uma especialmente lhe apetece ele roça os muitos pelos que lhe cobrem subindo a mão desde a beira do púbis até o bico do peito e termina o gesto beliscando o próprio mamilo

eu abençôo o Eros que o anima

eu passo...

a noite mais espessa que a baba dos famintos passará carregando passos, putas, trabalhadores, adolescentes... e Eros dormirá preguiçosamente

sim

também a noite passará