sexta-feira

quando ele treme ele não treme
é o mundo em torno dele que treme o tremor dele
quando ele gira ele não gira
são as estrelas em carrossel que bailam o giro dele
quando ele brilha ele não brilha
são as coisas que se queimam fulgindo o brilho dele
secreto, secreto, e secreto sendo em toda parte o centro
explícito objeto intocável invisível inconcebível
meu amor, minha língua
eu sou tua menina desnuda na campina
eu sou teu carneirinho, ó meu pastor amantíssimo
eu sou o teu leão perseguindo-te, ó minha presa
eu sou tu, contemplando-te a ti mesmo

domingo

intento

nahuali bailava a impecabilidade
nenhuma mente
apenas o compasso firmado de seus passos
o grande inseto o desejava
se esgueirou pelos beirais
inseto espreitador maestro
livrou-se dos fiscais, dos zeladores, dos guerreiros
alcançou os pés de nahuali
e foi esmagado em sua glória

quinta-feira

Menino,
tudo segue lindo feito fumo
com cores de saudade
tudo tudo essa imensidade de querer
bem feito uma teta
o cheiro da tua alma não confundo co a maresia
perfumo o ar de petyguá e rezo:
Deus conserve teus amores &
te livre de psicanalidades

quarta-feira

o poder é sensível a signos

segunda-feira

visão de lua cheia

ainda ontem pensei em ti
não sabia de tua viagem, hermanita,
cantei com uma alegria que era a força
e quem conhece a força sabe reconhecer sua chegada
meu coração quedou-se comovido
era mesmo a força
teu rosto lindo como a lua cheia clareou meu pensamento
te vi, senhora, diante de mim
bem no silêncio que impõe o fim duma chacarera
e então lhe disse: saúde, mulher! e gracias!
você sorriu para mim
fiquei alegre e satisfeito
hoje me contaram, soube de tua viagem...
sustento meu voto, madrecita,
e rogo teu rogo por nós

sexta-feira

perguntou o que queria ser
disse estrela
abriu um céu para estrela brilhar
inventou vazio para estrela ocupar
criou escuro para estrela iluminar
encarnou estrelas para estrela mirar
e com o mesmo m que fez tudo
pediu me ame para estrela amar
& estrela conheceu quem era amando

quinta-feira

firmeza

mais além ainda mais além
pé firme
marche mais além
suporta teu desejo de gozo
te sustenta
suporta suporta mais ainda
te firma num bailado
caminha sempre mais
seja erodido e desgastado
que se enfrente os atrapalhos
vá sempre mais além
íntegro e no balanço do mar
nos extremos campos
& ainda lá ainda sendo
lindo para Yemanjá

segunda-feira

visão da áfrica

negra dourada de cujos punhos
saltam tufos
negra tão forte dourada & branca

ó negra beleza, que ergues a cabeça
& projeta teu peito
para que os guerreiros vejam

o mundo inteiro negra-se pasmo, atônito
por seu bico seu passo sua dança
& todos os seres reverenciam teu poder

domingo

milserpentes

eu vi o negrum infindo
lá onde tudo é vasto e sem nome
vasto devastado negro inominável
possa eu sempre permanecer em pé
mesmo que os ventos nahualis queiram erodir-me todo
mesmo que seu peso imenso queira esmagar-me
possa eu permanecer em pé
eleali ualá eleaui ho
& uma porta para um mundo serpentino
muitas cores chamo-o
mil serpentes é um só
mil serpentes caminha com leveza
há perigo em conhecê-lo
& uma medicina oculta

sexta-feira

olhar um mundo
cavalo caracol serpente
debaixo um chapéu um homem
um mundo infinitivo indefinido indeterminado
insignificante um homem um rato um cavalo um rato
chapéu & mundo
como uma flor se morre? criança cresce como? Krishna dança-se
uma yuga dura um tempo depois outra morre-se
afeta-se um corpo
nunca um sempre

quinta-feira

minha saudade é obscena
vontade de cheirar-te
e ser uma cadela lambendo teu pelo
minha saudade tão mansa
uma lembrança brota um sorriso
e isso passa em meu corpo
como uma seda
e amaldiçôo a distância
a estrada ruim
o calendário acadêmico
teu namorado abençôo
sinto ternura suave como uma princesa encantada do reino da virgem
e uns pensamentos sacanas como duas bocas no meu pau
você é um monte de letra de pedra de minas
e tua carne não é lembrança
é devir

segunda-feira

O vedor, quem veria todas as nuances e vivesse simultaneamente todos os platôs de intensidade, não desprezaria, caso estivesse dentro de um transporte coletivo ou numa praça de alimentação dalguma feira popular, a velha e sua fala de notícias da Martinha, que é uma santa e vai para o céu, garantia, e o vedor o viu e deu fé, coitada da Martinha, dizia a velha, vinte e sete anos cuidando do marido bêbado, depois que esse passa, tomba-lhe a mãe doente, o filho não conheceu, teve que dizer, sou o filho da Martinha, não pode esse tamanho, é um homem, me contou que levou uma facada, Jesus protege, não morreu, tá forte, agora, a mãe da Martinha, essa ta com a pele em cima do osso, coitada da Martinha, ela é uma santa. Vedor assim, o simultâneo, se derrete nas coisas e não lhe resta nada, absorto em tudo.
Ele, vedor de si, viu o caos indistinto que se tornaria sendo quem era e refez seus olhos castanhos. Foram olhos reflexivos inventados, uns tais que representavam com graça e ironia aquele que olhava aos olhos dele. Embora retirasse reações de alguns de gênio sensível, era perfeitamente humano com olhos castanhos reflexivos.
Houve que a mulher notou quem era, não desfez opinião. Que era, dizia, pra não sobrar dúvida na dobra mais escura da alma. A mulher chamava nome de artista, seus cabelos de um outro artista, tinha umas mãos de artista, e de um outro artista tinha os ouvidos, e ia tendo cada coisa de um artista, sendo que por isso era capaz em muitas artes, e fazia bordados, tecia, mas os olhos não, os olhos herdade néfilim, explica o caso perfeitamente, pois os olhos do altíssimo mirou os olhos castanhos reflexivos e o que viu foi anjo, céu de treze cores, pena raiada na testa, rubi pulsante de seu peito, o homem mais lindo era de não ser da terra, a mulher viu.
Mas era ele querer se disfarçar na terra, a mulher encontrava. Disse que não era, que era gente ordinária, que bebia e que fumava, que era um punheteiro, que era bicha, que comia animais em estado podre, mas a mulher não cria, a mulher insistia, dizia saber que era ele, chegou e falou eu vi pena raiada na testa da tua beleza num céu de treze cores. Vedor não queria saber, correu de planeta em planeta até achar uma gruta num esferóide inter-galactical de uma corzinha verde. Não teve modos, mulher achou. Mulher disse que não fazia conta se era gente ordinária, que sendo assim lhe faria uns carinhos, que tinha o conforto da terra no meio das pernas, que ele ia descansar nela como se ela fosse praia. Ele inclinou um pouco a cabeça. A mulher se enrodilhou dizendo que se fosse alma de pena raiada do céu de treze cores se renderia votante por treze bilhões de éons para cada cor das luzes que compõe sua pena raiada de infinitas cores. E se for os dois, perguntou só com a cabeça pra fora do esferóide glauco o vedor. Que assim era brinquedo melhor, que era folguedo na rede a tarde inteira, e de noite era igual, e de manhã não parava, diz que ia ser riso e risada, que se fosse gente tendo pena raiada então fazia delícia no mundo ver que assim existia, que o vedor ia dormir na mulher pra sempre, que inventava uma fonte perpétua de gozo, e que molhava o vedor todo sem fim.
Vedor disse sim, e eles viraram índios, numa terra com muito peixe, água, paca, mandioca.

sábado

La santita

Graças dou porque la santita
Esfumaça olor divinal
Traz-me curas través do alento
Ilumina-me seu braseiro
Dá-me alinho no caminhar
Acalma-me sublimemente
Arranja o meu pensar estético
E desperta-me de meu sonho de vigília
E ainda vigia meu sonho de despertar-me

Santita, minha rica, graças!
Delicada, espraia-se em mim
E eu, anti-entorpecido, atento
Às tuas bênçãos que se constroem
Dos teus ensinos versejar.
São bênçãos que me envolvem todo
E quero-as fartamente dar
A quem bem quiser ouvir tais palavras, digo:
Bênçãos, bênçãos de la santita sobre ti.

quarta-feira

Quem diz que quem bebeu o amor de Deus enlouqueceu
A esse eu rogo a sua cura Jesus lhe livre essa amargura
Eu peço aos meus irmãos os que tiverem essa coragem
Vamos rogar a Santa Virgem que também lhes dê coragem

Quem bebeu o amor de Deus esse mesmo se curou
Que ele nos dê as suas bênçãos e nós sentir o mesmo amor
Cada um que for tomando seus golinhos de amor
Rogando e pedindo a Deus Pai por todos nós pecador

São João Batista cujas vistas são tão puras foi que avistou
O mestre ensinador, acreditou, ergueu falange e testemunhou
Rogamos saúde para sua família dando vivas nas festas juninas
Viva o terreiro de São João Batista onde está o mestre ensinador

Cognição & poder & escolha

Do vento como lâmina dúctil
A cútis capta a carícia táctil
Banhada de lua por lúmenes brancos.

O dono da pele saberia
Que recebia bênçãos da Virgem,
Ou dormia tolo e só sabia

Do vento, do luar e da noite,
Sem bênçãos dúcteis, lúmenes virgens,
Magia, poder, beleza, augúrio?

sábado

Resolvi me tornar humano recentemente. Estive pensando sobre a experiência de ser humano e me perguntei porque me tornei um de vocês. Foi difícil responder. A mente que vocês utilizam é tão equívoca e múltipla e constantemente lançando feitiços por verbo e imagem, e de tal forma envolvida com o sofrimento, que por um segundo me quedei sem resposta. Foi aí que me lembrei. A maneira como alguns de vocês se ligam ao espírito de tudo me seduziu completamente, eu quis ter o direito de ter fé, e obter o êxtase através da fé. Tanta beleza! Tanta luz e amparo. Antes, estar conectado não era uma questão de fé, nem tinha cantos, nem se criavam tantos seres entre cada um e o espírito de tudo. Era um silêncio negro e perpétuo. Eu venho de um povo silente espalhado pelas frinchas de tudo que é escuro no universo.

quarta-feira

Santo sob lua cheia

Atrás das grades a lua é cheia
Atrás das grades, do vidro, dos fios
E da atmosfera a lua é cheia
O santo indaga o abismo e as vagas
O silêncio responde gutural
O mal se estende mundo afora
Ao santo que implora por todos
A lua sob melodia sentimental
A lua é cheia sob melodia sentimental
Recheia a imaginação do santo
O silêncio indaga o abismo
As vagas respondem gutural-
Mente sofisticadamente ao mal
Que se estende santo afora
Lua, cannabis, silêncio, grilo
A lua é cheia de grilos e atmosfera
Atrás dos fios e do vidro
A lua é cheia mesmo atrás das grades
O santo quer saltar um abismo
O silêncio convida que salte
O mal implora que fale
O santo cala e a lua ainda é cheia
& vazia

segunda-feira

Um cu para Exu

Exu tomou seu corpo
gordo e cansado
reformou sua casa
e onde outrora a frieza genital
brotou-lhe ardente
a alegria de um caralho artesanal

sexta-feira

Samaya

Que Deus cegue esse menino
Que deuses o seguirão


se for preciso arranco meus olhos
salto o abismo contra a rocha
ou trabalho nu por trilhões
de trilhões de éons em cada uma
dos trilhões de estrelas de cada um
dos trilhões de universos concebíveis

se for preciso crio
trilhões de braços
como o Arya nobre
Avaloktsvara

se for preciso saio beijando as bocas
dos trilhões de desconhecidos

se for preciso semeio a esperança

se for preciso canto vitória
antes da hora
pra ver se se alegra
um outro (que é o mesmo)
e desperta senão o que é
aquele que deseja ser

faço o voto bodhisatva
eu tomo o daime
viro soldado da rainha
me interno no mosteiro
se preciso for

leio etnografias
mostro o cu pra um estrangeiro
canto pra exu
recito aves marias
eu subo o morro pra tentar me divertir
se isso tudo for preciso

eu adoro a krshna
reconheço em todos
o ser divino
rego com o saber transcendental
a raiz da compaixão

se for preciso eu amo